Pesquisar este blog

sexta-feira, 26 de junho de 2009

TIO OLIMPIO E OS HOMENS TELÚRICOS


Os atos são nosso símbolo. Qualquer destino, por longo ou complicado que seja, consta da realidade de um único momento: o momento em que o homem sabe para sempre quem é. (Jorge Luis Borges)



Até hoje, no interior (campo), há quem, em roda de fogueira, pra espantar borrachudo e clarear noite, conte causos. Era assim que meu tio Olimpio fazia em seu casebre, à beira do Ijuí, com palheiro entre os dedos e cuia de mate amargo. O tio contava histórias de duelos, mortes, amores, animais fantásticos, tesouros enterrados e muitas assombrações. Era perito nos detalhes do tramar, deixando-nos crédulos em tudo aquilo.


Tio Olimpio, homem da lavoura, analfabeto por não conciliar o idioma alemão e português, conseguia, com o poder de sua oralidade, nos presentear com mundos de mistérios, violências, amores e aventuras. Já faz alguns anos que o tio faleceu, mas é inevitável não lembrar dele quando adentro nos textos de Simões Lopes Neto, Borges e Guimarães. Quando leio esses autores, consigo encontrar na escrita tudo que ouvia em minha infância. Nomes que agem num enredo, as vezes tão diferente e, ao mesmo tempo, tão parecido. Enfim, histórias que transcendem o ambiente local e revelam-se universais, pelos atos e sentimentos de seus personagens.


Nos "causos" de tio Olimpio tinham esses homens telúricos que habitavam o espaço que vou chamar de "terra sem lei". Lugar que as ações chegam à selvageria. Daí, não tem como não relacionar a isso, contos como Negro Bonifácio ou No Manantial de Simões Lopes Neto. As estâncias, nos confins do sul, abrigando gente capaz de praticar atos tão virtuosos também como os mais cruéis.


Talvez, nem tão minucioso nas ações mais primitivas dos personagens, Borges também fala do homem telúrico. O gaúcho do pampa argentino, uruguaio ou sul-riograndense. Enfim, descreve todo o universo desse "forasteiro" em contos como O Morto ou Biografia de Tadeo Isidoro Cruz... O pampa como destino inevitável da vida e da morte.


Por outras bandas do mapa brasileiro, Guimarães Rosa com Irmãos Dagobé, Barra da Vaca, A Hora e a Vez de Augusto Matraga... faz algo semelhante. Homens telúricos que parecem querer fugir do destino inevitável, o que se camuflam no mal, revelando-se, muitas vezes, homens de bem ou regenerados. Homens movidos por circunstâncias ou sentimentos pra lá de complexos.


Ao lê-los, linhas ficcionais vão se cruzando e estabelecendo diferenças e muitas semelhanças que fazem da literatura o eterno ato da (RE) Descoberta. São Jeremoavos, Azevedos, Chicões, Bonifácios, Dagobés... Todos chegando a mim de alguma maneira. Seja através de um Tio Olimpio, de um Blau Nunes, narradores tão simples e tão fascinantes.