
Drummond já sabia o impacto que seu livro O Amor Natural poderia causar ao leitor mais desavisado e ao crítico literário mais conservador. O poeta até arriscou algumas publicações em revistas eróticas na década de setenta. Mas o todo foi obra póstuma.
O fato é que Drummond se permitiu desnudar a temática do amor. Mexeu no limiar entre o erotismo e a pornografia, ou seria no limiar do amor e do sexo? Fico com as duas possibilidades, uma não anula a outra, o poeta simplesmente fez poesia de modo direto com vocabulário sem rebuscamento, ou seja, poetizou o ato natural humano e todas as sensações que provoca. Leitor e poeta descobrem-se iguais ou parecidos.
Ocorreu-me então que em Porto Alegre tem um poeta que se arriscou nesta linha poética: dois Santos dos Santos. Em seu livro Sobre Corpos e Ganas, publicado em 1995, o sexo surge, em versos, como avalanche amorosa. O ato sexual, assim como a sensação que provoca, revela-se ao leitor como expressão lírica. Talvez falte, a algumas pessoas, a sensibilidade para ler seus versos, talvez ocorra uma interpretação equivocada de seus poemas e, por isso, às vezes, é comum encontrá-los em sites que os utilizam como mera ilustração verbal do sexo.
Essa falta de sensibilidade não ocorre apenas com alguns leitores, os próprios editores do livro foram infectados por uma espécie de puritanismo tardio. Em arrependimento editorial, retiraram Sobre Corpos e Ganas das prateleiras e quem saiu perdendo foi o leitor. Enfim, não há, ou pelo menos, não deveria haver hipocrisia entre quatro paredes, e por que haveria de existir na poesia?
Eis um poema do poeta Dois Santos!
Ela oferecia os seios
que ele sugava sem pressa
para sentir maior sabor
assim
como quem come moranguinhos
Com a mão espalmada
subia pelas coxas
em movimentos mais que suaves
deixando os pelinhos das pernas dela em pé
e a pele toda arrepiada
Invadindo o ventre
afagava ondas, dunas, colinas, sonhando
com regiões ainda inexploradas
Beijava logo a nuca frágil
de pássaro abatido
que dava (a ele)
essa absurda vontade de chorar
Entre sussurros mordiscava a orelha dela
E com um palavrãozinho
metia-lhe afinal a língua no ouvido
A mulher gemia a meia voz
arfava
e ele gemia junto
ao prolongar os seus ganidos
Mas isso eram só preliminares
que o mais era charco, pântano, areia
movediça
mistério a ser saboreado